Conteúdo Principal
UFF - Universidade Federal Fluminense

Notícias

<< Voltar

Concertos

Release lançamento CD Clarinete Concertante, por Cristiano Alves

O clarinete pode ser considerado um instrumento recente, posto que seu surgimento data de 1690, momento no qual a maior parte dos instrumentos de sopro hoje conhecidos já dispunha de considerável literatura e lugar cativo em conjuntos orquestrais. No Brasil, apenas um século depois fez-se presente em obras incipientes para um instrumento em franco desenvolvimento, passando por grandes transformações, buscando afirmação nos meios musicais à época.

A literatura nacional para clarinete e orquestra se mostra, por um lado, extremamente rica no que concerne a qualidade composicional e, por outro, carente de expansão quantitativa e capilaridade enquanto difusão e execuções públicas e registros fonográficos.

Em 2005, lancei meu primeiro CD solo – “Marcas D’Água”, junto à pianista Tamara Ujakova -, considerado um dos três melhores lançamentos fonográficos daquele ano. Depois vieram os trabalhos “A obra de Osvaldo Lacerda para clarineta”, “T’Rio – Música brasileira para clarineta, viola e piano” e, este ano, “Tutti Solo”.

Há cerca de uma década, manifestei inicialmente o desejo de gravar um repertório solista, esbarrando sempre na complexidade de elaborar projetos que envolvessem um organismo denso e complexo como se apresenta a orquestra sinfônica. Ao longo dos anos, encomendei ou recebi dedicatórias de concertos de compositores como Francis Hime, Sergio Roberto de Oliveira, Jorge Armando Nunes, Wagner Tiso, Leonardo Bruno, Vittor Santos e Paulo Aragão. As quatro últimas obras supracitadas foram gravadas junto à Orquestra Sinfônica do Mato Grosso, regida por Leandro Carvalho. Tal registro fonográfico encontra-se em fase de finalização e será lançado oportunamente. Há outros trabalhos em desenvolvimento junto a compositores brasileiros e projetos sendo estruturados em parceria com conjuntos orquestrais.

A obra concertante que mais executei em minha vida profissional vem a ser o “Concertino para clarinete e orquestra”, de Francisco Mignone. Além de executá-la em diversas regiões do país, tive a oportunidade de apresenta-lo também em Portugal, na Argentina e na Guatemala. Considero a mesma uma das melhores obras concertantes já escritas em toda a literatura mundial, em todos os tempos.

Composta em 1957, a obra surgiu, por assim dizer, através de um programa de rádio. O pai de Mignone escutara, no ano anterior, o grande mestre e decano do clarinete no Brasil, José Botelho, tocando junto à Orquestra Sinfônica Nacional. Imediatamente comentou com seu filho, Francisco, que este deveria conhecer este grande músico e o encontro entre eles ocorrera na sequência, em São Paulo. Mignone, entusiasmado com a perspectiva de compor um concerto para Botelho, finalizou prontamente a obra, em três breves movimentos, dedicando-a ao ilustre professor.

Por mais brilhante que seja a obra, por razão implausível, não se verifica até os dias de hoje, uma gravação comercial desta. Muito me orgulho de lançar este registro, com as devidas bênçãos do mestre Botelho que, aos 91 anos, segue tocando divinamente, encantando e ensinando mais e mais aos felizardos amigos que desfrutam de seu convívio. Além de meu professor, Botelho sempre foi e segue sendo um dos amigos mais queridos que tenho. Por conseguinte, considero-me abençoado por lançar tal registro que presta tributo a um dos mais reconhecidos e grandiosos músicos brasileiros.

Conheci Francis Hime há cerca de 30 anos. Desde muito jovem tomei parte a gravações e shows com este grande ícone da música brasileira e acompanhei as empreitadas para composições de obras concertantes para violino, violão e harpa, dedicadas à Claudio Cruz, Fabio Zanon e Cristina Braga, respectivamente. Ao longo deste período, dizia sempre “Francis, quero um concerto também!”. Ele sempre ria e consentia, deixando-me esperançoso. Eis que, quatro anos atrás, Francis disse “Já comecei, seu concerto vai sair.”. Feliz e empolgado, aguardei ansiosamente a conclusão do mesmo. Eis que, em 2019, estreamos a obra com a Orquestra Sinfônica de Barra Mansa, na cidade sede da orquestra e, semanas depois, repetimos o concerto no Theatro Municipal do Rio de Janeiro, sempre com regência de Daniel Guedes e com a presença do compositor. Neste concerto do Theatro Municipal, procedemos um registro ao vivo da obra, a qual compõe o registro fonográfico lançado nesta ocasião.

Aproveito para agradecer à querida e brilhante OSBM, especialmente na pessoa de seu incansável diretor Vamtoil Souza.

Sergio Roberto de Oliveira desenvolveu uma carreira meteórica e extremamente frutífera. Ainda na década de 1990, criou o Estúdio A Casa e o selo “A Casa Discos”. Produziu dezenas de fonogramas e foi agraciado com dois prêmios Grammy. Suas obras vêm sendo executadas e registradas no Brasil e no exterior. Há cerca de cinco anos, Sergio me procurou para dizer que estava concebendo um concerto para clarinete e orquestra. À ocasião, já acometido pelo câncer que ceifou-lhe a vida, intitulou a obra por “Phoenix”, ressaltando sua própria luta e a eterna esperança no renascimento. Estreamos e gravamos a obra no início de 2018 e, meses depois, Sergio veio a falecer. Na verdade, o renascimento de Sergio se dá a cada execução de suas obras e difusão de seus registros e de novas gravações de sua obra. Sua presença nos meios artísticos é extensa e sua obra jamais será esquecida.

“Phoenix” se configura como um concerto em movimento único e utiliza-se de uma linguagem moderna, com inventivas linhas polifônicas, estruturas rítmicas plurais e caracteristicamente brasileiras. Contornando todo o eixo conceptivo da obra, surge – no início e, recorrentemente, ao final – um lindíssimo tema, lento e comovente, que vem a ser, justamente, um dos primeiros compostos por Sergio, há quase trinta anos atrás, por ocasião do nascimento de sua filha. Este lindo tema, singelo e tão bem orquestrado, ilustra a ternura e a criatividade da obra deste grande compositor e querido amigo.

A gravação ocorreu junto à Orquestra Sinfônica Nacional, inestimável patrimônio de nossa arte e cultura, sob a regência do maestro Tobias Volkmann. Agradeço imensamente a todos os envolvidos, bem como à administração da OSN/UFF.

Hoje, anos após seu falecimento, muito me orgulho de coordenar o selo “A Casa Discos”, bem como o Estúdio A Casa, que sempre foi e seguirá sendo o principal reduto da produção fonográfica de música de concerto nacional. A mesma vocação que movia o querido amigo Serginho também me orienta, no sentido de produzir registros e execuções de obras concertantes brasileiras, fomentando a produção nacional para o instrumento que escolhi para ser um parceiro de vida e meu mais potente meio de expressão e transformação, através do trabalho que desenvolvo junto aos queridos alunos na Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Viva a música brasileira, nossos grandes compositores e o clarinete, com toda a sua potencialidade e idiomatismo!

WordPress Video Lightbox Plugin