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Centro de Artes é espaço de intercâmbio cultural e resgate da ancestralidade

“O verdadeiro amigo é aquele que trata de mãos dadas… Dá-me a tua mão e eu te dou a minha. E de mãos dadas conseguimos resolver tudo quanto existe na vida”. Essas palavras sintetizam a amizade entre dois mestres da oralidade das ilhas de São Tomé e Príncipe, no Golfo da Guiné: Mestre Gueva e Mestre Zawa, protagonistas do documentário “Dois Irmãos” (Dôsu Manu), de João Velho e Leonardo Guelman. O filme abriu o evento da noite de 29 de março, no Centro de Artes da UFF, em Icaraí, em celebração às relações entre Brasil e África e à ancestralidade. O encontro incluiu o lançamento das publicações “Projeto São Tomé e Príncipe Plural: Sua gente, sua história, seu futuro” e “Territórios Criativos: Cariri, Quilombo Machadinha, Madureira e Paraty”; uma apresentação do jongo Tambores da Machadinha, do município fluminense de Quissamã; e uma edição do UFF Debate Brasil, com o tema Diálogos da Africanidade: territórios criativos e a experiência de cooperação Brasil-África.

“Todos esses trabalhos realizam uma costura com a africanidade, e estou muito feliz por poder apresenta-los”, sintetizou o superintendente do Centro de Artes da UFF, Leonardo Guelman, que coordenou os projetos que resultaram nos dois livros, quando era diretor do Instituto de Arte e Comunicação Social (Iacs/UFF). O lançamento de “Territórios Criativos” e “STP Plural”, para Guelman, é o coroamento de dois trabalhos que tem muitas conexões entre si.

Territórios Criativos

A primeira obra é fruto do projeto Prospecção e Capacitação em Territórios Criativos – uma parceria da UFF com o Ministério da Cultura para mapeamento de agentes dos territórios, capacitações e encontros para a consolidação de redes com a presença de grupos e movimentos locais. “Consideramos as matrizes culturais de cada território, as expressões e o patrimônio imaterial serviram de base para os quatro territórios em que trabalhamos”, contou Leonardo Guelman.
As atividades foram desenvolvidas em quatro diferentes territórios criativos: a região do Cariri, no Ceará; a comunidade indígena do Itaxim e os moradores do Quilombo do Campinho, em Paraty; em Quissamã, mais precisamente no Quilombo da Machadinha; e no bairro carioca de Madureira, onde há forte presença da cultura negra nas suas mais diversas expressões. E em cada território os grupos mapearam as necessidades de capacitação e qualificação. Para citar um exemplo, os atores locais manifestaram o interesse na formação de mão de obra para a confecção de adereços carnavalescos e, mais tarde, parte dos moradores capacitados pelo projeto trabalhou para a escola de samba Império Serrano, que venceu o carnaval carioca da Série A em 2017.

São Tomé e Príncipe Plural

O segundo livro é resultado de uma missão de cooperação internacional na qual estiveram juntas a Universidade Pública de São Tomé e Príncipe (UPSTP) e a UFF, por meio do Instituto de Arte e Comunicação Social, com parceria da ABC. A obra apresenta as perspectivas de diálogo e vivências oriundas da inserção de professores, estudantes e técnicos brasileiros na realidade local e da capacitação nas áreas de educação, comunicação e cultura, com amplo envolvimento da comunidade local. A colaboração resultou na criação de produtos de audiovisual, internet, rádio e produção cultural.

O documentário “Dois Irmãos”, produzido para o projeto STP Plural, acompanha a jornada da dupla de contadores de histórias ao Rio de Janeiro e Niterói. Ao conhecer pela primeira vez o território daqueles que antes os visitaram, os são-tomenses Gueva e Zawa falam de alegria, amizade, tolerância e colaboração, sentimentos que balizaram o projeto. Realizado pela UFF em parceria com a Associação Brasileira de Cooperação (ABC), do Ministério das Relações Exteriores, “São Tomé e Príncipe Plural” teve como objetivo foi aproximar os laços entre as duas ex-colônias portuguesas, levando ao país africano soluções inovadoras, voltadas à capacitação em torno da comunicação e da mediação cultural.

Presente ao encontro, a diretora-adjunta da Associação Brasileira de Cooperação, ministra Andréa Watson, destacou a mudança do papel do Brasil junto às nações estrangeiras ao longo de 30 anos de existência da ABC. “Começamos como um país mais pobre, periférico e não tão pujante. Nesse contexto, a agência surgiu com o objetivo de receber cooperação, que vinha como uma receita pronta, com as nações mais desenvolvidas nos dizendo o que fazer. Ao longo dos anos, passamos a prestar colaboração, em vez de apenas receber. À medida que o Brasil adquiria mais conhecimentos em educação, agricultura, gestão pública, a área de cooperação foi crescendo e hoje somos uma equipe de aproximadamente 200 pessoas na associação. Hoje, mais do que sermos ativos na colaboração bilateral, como uma via de mão dupla, somos procurados para promover cooperação trilateral. Ou seja, os países mais ricos nos ajudam com os recursos e nós promovemos as ações, nos adequando às necessidades que demandam para nós”, contou a ministra, pontuando que a ABC apoia mais de 600 projetos de cooperação, principalmente na América Latina e África.

Convidado pela equipe do STP Plural, Ayres Bruzaca, reitor da Universidade Pública de São Tomé e Príncipe (UPSTP), entende que a perspectiva da cooperação é a de aprender com erros e acertos das instituições. Bruzaca ressaltou a importância de se promover o intercâmbio entre as nações de língua portuguesa, principalmente no hemisfério sul, entre os países em desenvolvimento. Para o gestor da única universidade pública do país, fundada há três anos, Brasil e São Tomé e Príncipe têm uma história comum e uma relação consangüínea, visto que, além dos movimentos de migração compulsória dos escravizados, alguns deles, quando livres, retornaram para seus países africanos de origem – como foi o caso dos próprios ancestrais de Ayres Bruzaca. “Esta parceria com o Brasil é o que de melhor pode haver, pois temos laços históricos, culturais e familiares. Mesmo depois de séculos, não deixamos de ter esta relação umbilical convosco. E precisamos conhecer a trajetória desse processo histórico que se inicia no século XV, com a colonização, mas também compreender o que se passa no presente para construirmos o futuro”.

O reitor da UFF, Sidney Mello, reafirmou, em seu discurso, a importância dessa aproximação para ambas as nações. “A Universidade Federal Fluminense caminha a passos largos na cooperação internacional, sobretudo com países lusófonos. Temos colaboração ativa com eles e isso só demonstra o quanto podemos contribuir. E é um projeto de mão dupla, porque também aprendemos muito com São Tome e Príncipe. A amizade é o que une os países, a nossa língua e a nossa base cultural. Fico satisfeito de ver um resultado dessa magnitude, porque sublinha as nossas relações com África, com São Tomé e Príncipe e com a Associação Brasileira de Cooperação”, afirmou Mello.

Diálogos da Africanidade foi o tema do UFF Debate Brasil

Participaram do UFF Debate Brasil, no Teatro da UFF, o professor Leonardo Guelman, como mediador e, como debatedores, os professores Ayres Bruzaca, economista e reitor da Universidade Pública de São Tomé e Príncipe (UPSTP), Júlio César Tavares, do Departamento de Antropologia da UFF, e Maria Raimunda Soares, assistente social, docente do Campus de Rio das Ostras e coordenadora do projeto Território Criativo Quilombo da Machadinha. Como especialistas em relações étnico-raciais e cultura afro-brasileira, Júlio e Raimunda fizeram uma análise sobre o impacto do racismo em nossa sociedade, a partir da escravidão até os dias de hoje, relacionando às vivências dos povos quilombolas, que lutam por reconhecimento e respeito. Apresentando o que chamou de uma visão “micro” – em complemento à visão “macro” socioeconômica presente na fala de Júlio Tavares – o professor Bruzaca narrou um pouco sobre a história da colonização de São Tomé e Príncipe e do histórico de resistência ao poderio europeu, que fez do pequeno arquipélago um entreposto para o comércio de escravos nos séculos XV e XVI. Neste ponto, defendeu o reitor são-tomense, o país guarda com o Brasil muito mais semelhanças do que se imagina.

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